Refeição Cultural
"'A culpa foi minha!' suspirou ela consigo.
A culpa eram as atenções especiais com o homem, carinhos, lembranças, obséquios familiares, e na véspera, aqueles olhos tão longamente pregados nele. Se não fosse isso... Ia-se assim perdendo em reflexões multiplicadas. Tudo a aborrecia, plantas, móveis, uma cigarra que cantava, um rumor de vozes, na rua, outro de pratos, em casa, o andar das escravas, e até um pobre preto velho que, em frente à casa dela, trepava com dificuldade um pedaço de morro. As cautelas do preto buliam-lhe com os nervos." (p. 68/69)
O cenário do romance é o Rio de Janeiro no ano de 1868.
Sofia avalia consigo mesma o acontecimento da véspera: ela sofreu um assédio por parte de um amigo do casal.
Na conversa com o marido, após o ocorrido, ele afirmou que a culpa foi dela, a vítima.
Cristiano, na verdade, não quer cortar relações com o assediador, Rubião, porque lhe deve favores...
E aí? Alguém vai dizer que nunca viu caso parecido?
O tempo passa, o tempo voa, e a condição das mulheres pouco ou nada muda.
A gente vê a luta das mulheres faz tempo, mas a sociedade machista prevalece.
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ESCRAVIDÃO ANTIGA, ESCRAVIDÃO MODERNA
E a questão das pessoas escravizadas? (ou na mesma condição de exploração?)
A mesma cena que citei nos serve de reflexão para compreendermos o presente através do passado em nosso querido Brasil varonil.
Quando os governos do PT estabeleceram direitos para as empregadas domésticas, a tal "classe média", gente como a que me dá a honra da leitura no blog, talvez, precisou pôr a mão no bolso para pagar algum direito básico para as pessoas que lavavam nossa privada... parte da classe média ajudou a derrubar aquele governo "corrupto" etc.
Aí o Temer e o Bolsonaro acabaram com praticamente todos os direitos da classe trabalhadora e as empregadas domésticas voltaram a lavar nossas privadas por quase nada... A classe média não derrubou Temer nem Bolsonaro, provavelmente por achar que eles não eram "corruptos".
Aff!
Sigamos lendo Machado de Assis. A prática da leitura faz a gente pensar tanta coisa, viu!
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Só para terminar a reflexão sobre o excerto citado acima: faz tempo que li Quincas Borba, não me lembro mais da estória. Aquela frase de Sofia ficou martelando na minha cabeça... "aqueles olhos tão longamente pregados nele"...
Machado sempre surpreende leitoras e leitores, apronta das suas em seus contos e romances. Vamos ver se esse olhar longo de Sofia vai dar em algo ou não no correr do romance.
William
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